EU, cheio de preconceitos, racista! Eu com falsos conceitos, neo-nazistas! Eu detestando pretos, eu sem coração, perdido num palanque gritando ''S E P A R A Ç Ã O''. Eu, você, nós todos, cheios de preconceitos, fugindo como se eles carregassem lodo, lodo na cor... E com petulância, arrogância, afastando a pele irmã... Mas estou pensando agora, e quando chegar minha hora?

Meu Deus, se eu morresse amanhã, numa viagem esquisita, entre nuvens feias e bonitas, se eu chegasse lá e um porteiro manco, como os aleijados que eu gozei, viesse abrir a porta, e eu reparasse em sua vista torta igual aquela que eu critiquei? Se sua mão tateasse pelo trinco, como as mãos do cego que eu não ajudei? Se a porta rangesse, chorando o choro que eu provoquei? Se uma criança me tomasse pela mão, criança como aquela que não acalantei? E me levasse por um corredor florido, colorido, como as flores que jamais dei? Se eu sentisse o chão frio, como dos presídios que não visitei? Se eu visse as paredes caindo, como as das creches e asilos que não ajudei? E se as crianças tirassem corpos dos caminhos, iguais dos corpos que não levantei? Dando desculpas que eram bêbados, quando eram epiléticos, que era vagabundagem, mas era fome!

E se mais para a frente a criança cobrir o corpo nu, da prostituta que eu usei, ou o moribundo que não olhei, ou dos anciãos que não ajudei ou respeitei, ou da mãe que não amei? Corpo de alguém exposto jogado por minha causa, porque não estendi a mão, porque no amor fiz pausa e dei, sei lá, só dei desgosto!