E foi inventado o Candomblé...

No começo não havia separação entre o Orun, o Céu dos Orixás, e o Aiê, a Terra dos humanos.

Homens e divindades íam e vinham, coabitando e dividindo vidas e aventuras.

Conta-se que, quando o Orum fazia limite com o Aiê, um ser humano tocou o Orum com as mãos sujas.

O Céu imaculado do Orixá fora conspurcado.

O brando imaculado de Obatalá se perdera.

Oxalá foi reclamar a Olorum.

Olorum, Senhor do Céu, Deus Supremo, irado com a sujeira, o desperdício e a displicência dos mortais, soprou enfurecido seu sopro divino e separou para sempre o Céu da Terra.

Assim, o Orum separou-se do mundo dos homens e nenhum homem poderia ir ao Orum e retornar de lá com vida.

E os Orixás também não poderiam vir à Terra com seus corpos.

Agora havia o mundo dos homens e o dos Orixás, separados.

Isoladas dos humanos habitantes do Aiê, as divindades entristeceram.

Os Orixás tinham saudade de suas peripécias entre os humanos e andavam tristes e amuados.

Foram queixar-se com Olodumare, que acabou consentindo que os Orixás pudessem vez por outra retornar à Terra.

Para isso, entretanto, teriam que tomar o corpo material de seus devotos.

Foi a condição imposta por Olodumare.

Oxun, que antes gostava de vir à Terra brincar com as mulheres, dividindo com elas sua formosura e vaidade, ensinando-lhes feitiços de adorável sedução e irresistível encanto, recebeu de Olorum um novo encargo:

preparar os mortais para receberem em seus corpos os Orixás.

Oxun fez oferendas a Exu para propiciar sua delicada missão.

De seu sucesso dependia a alegria dos seus irmãos e amigos Orixás.

Veio ao Aiê e juntou as mulheres à sua volta, banhou seus corpos com ervas preciosas, cortou seus cabelos raspou suas cabeças, pintou seus corpos.

Pintou suas cabeças com pintinhas brancas, como as penas das galinhas-d'angola.

Vestiu-as com belíssimos panos e fartos laços, enfeitou-as com jóias e coroas.

O ori, a cabeça, ela adornou ainda com a pena ecodidé, pluma vermelha, rara e misteriosa do papagaio-da-costa.

Nas mãos as fez levar abebés, espadas, cetros, e nos pulsos, dúzias de dourados indés.

O colo cobriu com voltas e voltas de coloridas contas e múltiplas feiras de búzius, cerâmicas e corais.

Na cabeça pôs um cone feito de manteiga de ori, finas ervas e obi mascado, com todo condimento de que gostam os Orixás.

Esse oxo atrairia o Orixá ao ori da iniciada e o Orixá não tinha como se enganar em seu retorno ao Aiê.

Finalmente as pequenas esposas estavam feitas, estavam prontas, e estavam odara.

As iaôs eram as noivas mais bonitas que a vaidade de Oxun conseguia imaginar.

Os Orixás agora tinham seus cavalos, podiam retornar com segurança ao Aiê, podiam cavalgar os corpos das devotas.

Os humanos faziam oferendas aos Orixás, convidando-os à Terra, aos corpos das iyawos.

Então os Orixás vinham e tomavam seus cavalos.

E, enquanto os homens tocavam seus tambores, vibrando os batás e agogôs, soando os xequerês e adjás, enquanto os homens cantavam e davam vivas e aplaudiam, convidando todos os humanos iniciados para a roda do xirê, os Orixás dançavam e dançavam.

Os Orixás podiam de novo conviver com os mortais.

Os Orixás estavam felizes.

Na roda das feitas, no corpo das iyawos, eles dançavam e dançavam e dançavam.

Estava inventado o Candomblé.

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