Entre Mosáicos e Preconceitos

É fato histórico que no Brasil o pluralismo religioso consolida-se e busca intensamente formas de valorizar a diversidade cultural, e com isto assiste-se atentamente a emergência de movimentos sociais em defesa das escolhas religiosas em seus mais variados campos.

Todavia, apesar deste pluralismo acentuado, constata-se há séculos que as religiões de matrizes africanas no Brasil são vistas de formas estigmatizadas e negadas como campo religioso. Fomentar o debate para buscar as soluções que sustentam as reproduções de ações preconceituosas deva ser o ponto central das políticas de combate ao racismo e ao preconceito com este campo religioso.

Comumente consideramos que a educação poderia ser a instituiç*atildeo que de forma democrática desmistificaria os estigmas reproduzidos para as religiões de matrizes africanas. O que se constata, no campo educacional, posturas conservadoras e reacionárias, as quais contribuem para amalgar preconceitos e discriminação. Como resultados, possuímos um quadro social marcadamente preconceituoso e discriminatório com os que professam sua crença nas religiões de matriz africana.

A religião se expressa como a crença na existência de uma força superior considerada como criadora do Universo. A religião também é operada como um elemento cultural, construída por homens e mulheres que historicamente povoaram a sociedade humana. Como afirma ALVES (1999),

"Trata-se de uma experiência universal da humanidade, através da qual se tenta compreender os mistérios que envolvem o homem e o seu relacionamento com o Criador. Essa crença, sendo manifestada de diversas formas, torna duvidoso o significado etimológico da palavra "religião". Alguns acham que ela deriva de reler, isto é, a atenta e cuidadosa observância dos rituais; outros acham que vem de reeleger, ou seja, opção básica de vida diante de sua meta última; outros ainda acham que procede de religar, ou seja, a vinculação do homem com sua origem e destino."

As religiões afro-brasileiras conforme sinaliza, Prandi, (2003) compõem um diversificado conjunto de credos, alguns de caráter local, que podem ser encontradas em todo o Brasil e outros já revestidos de caráter universal. Este campo religioso possui legitimidade como qualquer outro, apesar das estatísticas oficiais informarem que há um grupo reduzido de adeptos. Contrariamente a este cenário, o que se assiste é um número significativo de praticantes, se operássemos os dados estatísticos este grupo de matriz religiosa africana passaria a ocupar um papel significativo no censo demográfico brasileiro. Conforme informa Santos (2002), os dados censitários sobre a população religiosa no país, não são reais, quando se necessita precisar os afro-religiosos.

O Brasil é um grande mosaico religioso e o Pará não é diferente. Contudo, as religiões de matriz africana e os povos afro-religiosos têm sido ao longo dos séculos, vítimas de preconceitos atrozes e perversos.

Esta religião caracteriza-se como um elemento cultural, possui uma capacidade de inclusão social significativa. Não se justifica as formas de exclusão que vivenciam os adeptos da mesma. As ações inclusivas, da religião afro-brasileira, apresentam-se, desde o campo ancestral, no tocante a herança dos negros escravizados no Brasil e seus descendentes, e o seguidores da religião, que no momento contemporâneo, já não são mais necessariamente nem escravos nem negros, mas brasileiros de todas as origens raciais que partilham desse universo religioso e reafirmam sua crença em sua religião. Conforme podemos perceber as pessoas que praticam as religiões de matriz africana assume sua identidade religiosa sem o disfarce de católico ou espírita.

A cidade de Belém apresenta em seu contexto cultural elementos de uma religiosidade de matriz africana que vem resistindo a movimentos intensos de intolerâncias por parte de várias religiões denominadas cristãs. O exemplo de manifestações de intolerâncias está presente em alguns campos das religiões cristãs, quando atribuem ao "candomblé religião do demônio". O quadro é crítico, exige-se um tratamento do poder público sério e comprometido com os direitos humanos, torna-se necessário defender não só a liberdade religiosa, mas o respeito à herança histórica e cultural de um povo.

Não serão poucas as constataçães se fizermos uma análise das interaçães sociais e formas de agir de determinados grupos sociais e religiosos, bem como os enfoques negativos sobre as religiões de matriz africana, valendo-se de expedientes de cunho discriminatório, que se utiliza de atos e palavras, pejorativas, ao se referirem às práticas religiosas afro-brasileiras, como "encosto", "demônios", "espíritos imundos", "pai de encosto", "mãe de encosto", "bruxaria", "feitiçaria", "macumba" e outros preconceitos relativos às religiões de matriz africana.

É tempo, urge o momento de recolocar, denunciar aos órgãos públicos brasileiros, é tempo de reparação à religião brasileira de matriz africana, e a lesão que vêm sofrendo em vários séculos.

Retomar a historicidade da África com o Brasil, estes movimentos permitiram compreender e entender historicamente que os negros que foram trazidos como escravos para o Brasil trouxeram consigo suas culturas originais e, junto a elas, todo um corpo de crenças e rituais religiosos. Agarraram-se especialmente a suas tradições religiosas, como único meio de conservar sua identidade ameaçada pela opressão do poder dominante. Mas essas formas de religiosidade entraram em contato com outras manifestações da cultura do país: a religião católica, vivida especialmente em suas formas mais populares como a devoção aos santos, e em certas regiões do país, o espiritismo de Allan Kardec. Surgiram assim a Umbanda e o Candomblé, as duas mais importantes expressões das religiões afro-brasileiras.

  • Orixás

    A ausência da história africana nos currículos das escolas e dos cursos universitários em certa medida possibilita uma percepção à crítica da cultura africana na sociedade brasileira. Considerando, também, que um dos aspectos que contribuem para a negação ou silenciamento a respeito da religião africana, encontre explicação no modelo de educação pensado para o país, no qual o próprio brasileiro não compreende a sua própria historicidade.


    Temos a compreensão que devido ao preconceito histórico, existente sobre a religião de matriz africana, os terreiros ocupam espaços territoriais escondidos, existindo pouca visibilidade dos mesmos. Os locais de cultos afros ficam marginalizados, isto em parte, vem contribuindo para que os praticantes das religiões afro-brasileiras as vivenciem dentro de certa "clandestinidade", devido ao preconceito ainda existente em relação a essas manifestações religiosas. Para este novo milênio os praticantes da religião afro-brasileira devem lutar para vivenciarem suas experiências religiosas de forma explícita, aberta. Vivemos em uma sociedade em que a prática religiosa é garantida pela Constituição Federal. Defendemos como religiosos de que "o estudo da religião hoje parece importante não só em si mesmo, como também para pensar o mundo contemporâneo nas suas relações com o projeto secular" (VELHO, 1998, p. 290).


    É imperioso retomar os debates com as universidades, com os movimentos sociais, sindicais, os partidos, com as escolas, enfim neste novo milênio a religião de matriz africana e seus sacerdotes devem apresentar de forma intensa suas crenças e reivindiques por liberdade democrática em seus locais de trabalho. Por isso queremos ser vistos pelo poder p7uacuteblico como sujeitos ativos de uma sociedade. Com dignidade e respeito, a abordagem da religiosidade de matriz africana, possibilita a compreensão de nossas raízes, nossa história, bem como nossas diversas formas de experiências com o sagrado.


    Neste sentido, as religiões de matrizes africanas no Brasil fazem parte do panteão cultural trazido pela diáspora negra, constituindo um de nossos elo de ligação com a mãe África. Não serão poucas as constatações se fizermos uma análise das nossas interações sociais e formas de agir, veremos o quanto somos circundados e ou orientados pela mística e crença na força e energia da natureza, aspecto estritamente relacionado ao Axé, à energia dos Orixás.


    O sacerdote deste novo milênio deve olhar a escola como um espaço, para desconstrução de preconceitos, visando à reeducação das relações étnico-raciais. Estar vigilante ao Plano Nacional de Direitos Humanos, o qual estabelece o combate à intolerância religiosa dentre suas metas. "Prevenir e combater a intolerância religiosa, inclusive no que diz respeito a religiões minoritárias e a cultos afro-brasileiros".


    Não se pretende proceder à apologia a este campo religioso, há uma preocupação em sinalizar a diversidade religiosa, a qual deve ser mais que respeitada, levando-se em consideração os aspectos culturais e sociais que cada religião apresenta. Garantir o espaço necessário de professar, suas crenças e a manifestação de seus ritos para que aqueles que o quiserem, o façam e sintam-se confortáveis e, aí sim, respeitados nesta escolha.