Palestra contra o Racismo

Centro Cultural São Paulo/SP em 04/2004

Promover o entendimento é o principal desafio de nosso tempo, porque, para isso acontecer, é preciso conversar. Somente assim, é possível conhecer e respeitar identidades diferentes e até mesmo divergentes, por isso, neste nosso tempo, os encontros, constituem-se peças fundamentais, reveladoras das identidades diferentes, para toda e qualquer comunidade cultural. São raros, no entanto, os produtos culturais e religiosos que nos façam falar, de maneira não acadêmica, sobre o reconhecimento e atualização tanto das identidades ancestrais brasileiras, quanto das pré-ancestrais.

Para o leigo não familiarizado com as lides espirituais afro-brasileiras, contudo, permanecem certas dificuldades, talvez por essa falta de quem possa esclarecer.

Esse nosso encontro, em demarcação dos campos narrativos, atém-se justamente aos esforços dos membros componentes deste seminário para poderem trazer pessoas abalizadas, que possam passar aos que aqui se encontram em busca desse íngrime conhecimento, uma partícula do que aprendemos ao longo do tempo com aqueles que se propuseram a nos ensinar.

''Quem sois, que como Terêncio Arsa dizeis, somos todos iguais perante as leis? Que como Zumbi dos Palmares agis dando a todos iguais condições de viver como iguais? Que como João de Deus e das Virgens viveis, no afã de morrer de novo pela liberdade de seu povo? Que pareceis Cândido, Rebouças, Patrocínio... Enquanto falais da campanha que evitará o extermínio? ''Sejas quem for'' - É hora de surgires já, no tempo, pois se faz sentir vossa ausência embora em tantos se vos vislumbre a presença!'' Então faltam surgir homens com dignidade para brigar por nossa causa visto que em nosso país a constituição brasileira, é rasgada todos os dias, principalmente no que se refere ao direito à liberdade de culto.

Os afros religiosos, são vítimas frequentes de ataques vis por parte de algumas instituições religiosas, surgidas nos últimos vinte anos, as diferem apenas no nome de fantasia, mas que na realidade pertencem à mesma firma. Instituições essas que trazem nos seus princípios, o ataque livre e inescrupuloso contra nós. E com o acesso à mídia, patrocinado pelo dízimo e ofertas de seus fiéis, usam os meios de comunicação para promoverem uma verdadeira e silenciosa ''guerra santa'', a qual se não houver controle, poderá resultar no que hoje observamos em outros países, onde em nome de Deus, vários homens se enfrentam até a morte.

Quando os navios negreiros atravessaram os mares trazendo em seus pútridos porões seres humanos, como se fossem animais ou mercadorias, esse povo denominado de escravo, já trazia consigo em sua bagagem a religião ancestral. Naquela época, além das chibatadas, das humilhações e do trabalho forçado, sofriam as pressões da igreja católica, predominante neste país, trazida por nossos descobridores. Foram anos de atrocidades, sofrimentos, dores, lágrimas e muito sangue derramado, até que se chegasse a pretensa abolição da escravatura. Hoje, já não somos mais perseguidos pela igreja católica, que age com tolerância, reconhecendo que somos milhares e que estamos apenas exercendo a nossa liberdade, fundamentada na constituição de nosso país, como já foi citado anteriormente.

Há de se observar que nós afros-descendentes, não saímos às ruas arrebanhando membros ou seguidores, não nos expomos em praças públicas, nem vivemos atacando quem quer que seja, ou a nenhuma outra religião. Em nossos sítios religiosos (roças, terreiros, searas, templos), recebemos pessoas que nos buscam de livre e espontânea vontade, independente da religião a que pertençam. Nossos adeptos fazem parte dos nossos rituais impulsionados pela energia emanada, a qual denominamos de Orixá, Nkise, Vodun, Bacuro, Caboclos, Encantados, Mestres, etc. Não disseminamos a guerra, não pregamos o ódio, nosso princípio fundamental é a harmonia, o equilíbrio do ser humano e das forças da natureza.

Amamos e adoramos a Olodumare (Deus da criação), denominado por católicos e protestantes, simplesmente de Deus. Nossos cultos e rituais prendem-se a métodos primitivos, para que nossas raízes não pereçam, não morram, não se apaguem com o tempo, para que possamos ter uma história para ser contada aos nossos filhos, netos, bisnetos e descendentes, até porque acreditamos que o mesmo Deus da criação, nos rege até hoje, sem modernizar-se. Acreditamos em um único Deus simples e generoso, não em um Deus eletrônico e vingativo que só castiga, transmitido pela mídia do nosso dia-a-dia, graças aos avanços tecnológicos.

O homem avança em seus conhecimentos científicos, e ele sim, sofre as consequências das descobertas que alcança de forma descontrolada e na ambição de superar Deus. Olodumare por sua vez é supremo, é a base de todo conhecimento, mas é encontrado nas coisas simples.

Na silenciosa ''guerra santa'' em que vivemos, temos observado nossos rituais imitados, e vemos igrejas evangélicas eletrônicas usando materiais e atributos que nos pertencem, tais como: sessão de descarrego, sal grosso, óleo ungido, etc.

Nossos orixá e entidades são chamados de demônios, indiretamente nos tachando de seus adoradores. Nessa oportunidade rara, é bom que se diga, até para repor a verdade, que nós não adoramos ao demônio, até porque em nossos templos, não há espaço para este ''ser''. Lá ele não entra, lá os egungun beforo (espíritos maléficos), são postos para correr, são expulsos do nosso meio para não mais retornarem. O demônio não vive em nosso meio, porque não lhe damos espaço, não alimentamos essa fantasia para os nossos adeptos, pois sabemos que ele habita (para os que nele creem) a mente, o corpo e o coração dos que vivem à mercê do mal. Ele deve estar todos os dias aonde o chamam, locais de onde ele é pretensamente expulso e retorna a cada culto. (Dizem que o diabo é um ser inteligente, então certamente deve ter regredido, visto que é expulso e está sempre voltando para ser expulso outra vez).

Quero lembrar que não somos apenas nós que enfrentamos a fúria dos que pretendem ter o monopólio da verdade; a própria igreja católica também tem sido vítima de ataque, como o que tivemos oportunidade de ver na mídia a nível nacional, quando um pastor chutou a imagem de N. S. Aparecida. O que não entendemos é se tal ato, foi contra a idolatria ou pelo fato da santa ser negra.

Deus não há de se zangar, se nós procurarmos ser nós mesmos, nos valorizando, valorizando tudo que adoramos, principalmente a natureza, da maneira que ele ensinou a seu povo africano. Já estamos no século XXI, já não precisamos participar de irmandades católicas e nem de associar os nomes dos orixá aos seus santos. Sobretudo, quando isso representa renunciar à nossa identidade e aos valores e ensinamentos que nos foi transmitido pelos nossos antepassados. Quando isso significa renunciar à nossa hierarquia e aceitar o controle de nossa fé, por quem não aceita os mistérios de nossa religião, os nossos valores étnicos, a nossa liturgia. Estamos em uma democracia e temos uma constituinte que nos ampara, garantindo nossa liberdade de culto, então é hora de sairmos do anonimato em especial os responsáveis pelas casas de culto afro, para se pronunciar e decidir de uma vez acabar com esse ''sincretismo'' que os católicos dizem existir nos cultos afros; eles porém têm todo o direito de reclamar, porque se nossa religião, nossos orixá nos bastam, procurar outra religião para nos curvarmos estará sendo no mínimo incoerente, visto que estaremos entrando no descrédito, no conformismo e desrespeitando nossa fé. Nós com certeza, somos filhos dignos da religião trazida por nossos ancestrais então façamos assim: o católico com seus santos em suas igrejas, nós com nossos orixá, nkise, vodun, e outros em nossos terreiros de origem. Não podemos nem devemos continuar com a idéia dos nossos mais velhos que tudo fizeram para serem aceitos, mandando celebrar missa para os santos que associavam com o orixá patrono do terreiro ou pela alma dos nossos entes queridos, porque sabemos perfeitamente proceder quando houver essa necessidade. Chegou a hora de mostrar o que somos e do quanto somos capazes de fazer de acordo com o conhecimento que temos da religião afro-brasileira.

Símbolo de Luta contra o Racismo
  • Nelson Mandela

    Hoje o amor à nossa religião é cultura, o sentimento de unidade e o espírito de sacrifício devem predominar em favor dos orixá é o símbolo representativo de um aspecto da natureza. Todos aqueles que vêm a muitos anos fortalecendo a parte contrária, acreditando na abertura ecumênica, devem tomar conhecimento e consciência de que estamos enganados. Têm agora a chance de reabilitar perante a sociedade afro-brasileira e unir-se a todo mundo que vem fazendo campanhas monumentais para a preservação da natureza, e por que não dos orixá? Já é tempo de nos unir, dar-nos as mãos, abrir os corações para ir ao encontro da irmandade, de justiça e da fraternidade para fortalecer e preservar cada vez mais as nossas origens e o axé de cada uma delas.


    Falamos de discriminação racial todos os dias, mas o que fazemos para coibir este ato? O racismo é a manifestação em ato ou comportamento do preconceito racial. Implicando no exercício do poder contra os grupos raciais considerados injustamente inferiores. Tendo como consequências: a discriminação, a segregação, a perseguição física e moral, a sonegação de direitos e o genocídio. O racismo consiste em: ''sistema que afirma a superioridade racial de um grupo sobre os outros'', o que seríamos sem o braço do nosso negro escravo que tudo fez em prol de nosso país? Esta superioridade é uma hipótese científica não aprovada, apesar dos esforços da ''ideologia do colonialismo'' interessada em justificar a miséria e o atraso dos países subdesenvolvidos. Os cientistas empenhados em prová-la trabalham com o velho conceito de raça (conjunto de caracteres externos das pessoas), e mesmo que consigam provas conclusivas da superioridade de um grupo racial sobre outros, em alguns aspectos, o racismo é injusto, pois a espécie humana é uma só. Pregando em particular, o confinamento dos inferiores numa parte do país, a segregação é apenas a forma mais escandalosa do racismo (como o aparthaid na ÁFRICA DO SUL). Mas o fenômeno é universal, ocorrendo não só nos países que foram colônias européias, mas também nos capitalistas desenvolvidos e nos socialistas. O racismo não faz parte da natureza humana, nasceu talvez da necessidade de defender o seu espaço; e é apenas uma instituição irracional de prolongada duração (assim como a antropofagia e a guerra). Sob a forma atual, baseada na cor da pele, é filho do colonialismo, e atingiu o seu extremo com o aparecimento do capitalismo financeiro, dentro dos países capitalistas desenvolvidos que não foram colônias (como a Inglaterra e a França por exemplo) é o fruto da competição e da divisão do trabalho.


    Marshal Salins já discutiu o significado de abundância nas sociedades primitivas nômades, demonstrando que os ditos ''povos primitivos'' produziam e carregavam consigo todos os bens necessários para manter o seu padrão de organização social nômade. Portanto eram sociedades com abundância, diferente da lógica do modelo capitalista. Por exemplo os bosquímanos da Nova Zelândia ou os povos do Kalarrari ao caminharem com seu cajado e pequena bolsa de couro com instrumentos para fazer fogo e para o corte da caça, têm o suficiente para promover seus longos percursos, pois caça, coleta de frutos e raízes compõem sua dieta alimentar a partir do conhecimento e do domínio do ecossistema que lhes rodeiam. ''O que parece pouco para alguns, é suficiente para outros!''


    O ódio racista chegou ao máximo durante o nazi-facismo alemão, que confinou e exterminou milhões de judeus, que em matéria de ódio racial apenas exagerou o que já se fizera antes.


    Então meus irmãos, continuamos vivendo em uma sociedade sem nenhum respeito pelo ser humano em especial por nossos descendentes afros que foram a base de tudo o que hoje somos. E Deus como vê esta forma de preconceito? Será que ele escolhe seus filhos, por posição social, grau de instrução ou cor?


    Então para finalizar esta palestra nesse nosso seminário que com tanto esmero e dedicação foi organizado, deixo a vocês esta pergunta.


    OBRIGADO!